São 359 tribunais de apelação e 89 juízes de segunda instância em São Paulo, sendo 76 mulheres. Os dados são da 14ª edição do Anuário da Justiça Paulista, lançado nesta sexta-feira (25). 1 de 3 Cerca de 96% dos juízes de apelação do TJ-SP são brancos– Foto: Reprodução/TJ-SP

Cerca de 96% dos juízes de apelação do TJ-SP são brancos– Imagem: Reprodução/TJ-SP

Homem, branco, acima de 60 anos e natural de São Paulo: esse é o perfil básico de um desembargador ou desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Os dados da 14ª edição do Anuário da Justiça Paulista, divulgados nesta sexta-feira (25), expõem a disparidade racial e de gênero na maior corte do país.

Segundo pesquisa realizada pela Consultor Jurídico (ConJur) em fevereiro deste ano, existem 359 tribunais de apelação e 89 juízes de segunda instância no estado de São Paulo, totalizando 448 juízes.

⚖ Qual a distinção entre os cargos? O juiz de apelação é o principal responsável por avaliar recursos contra sentenças proferidas em primeira instância. Atualmente, o judiciário paulista é composto por 360 tribunais de apelação. O juiz de segunda instância é um tribunal de primeira instância contatado para auxiliar na alta demanda por casos de segunda instância ou para substituir temporariamente um tribunal de apelação.

Os números revelam que a esmagadora maioria dos magistrados é branca (433). Apenas um juiz de apelação se declarou negro — o equivalente a 0,2%. Outros oito se identificaram como pardos e seis como amarelos.

No entanto, a representação racial do judiciário varia drasticamente em relação à população. No estado de São Paulo, 41% dos cidadãos são pretos ou pardos e 58% são brancos.Segundo dados da Estrutura Seade de 2022.

A ausência de representatividade também é observada na desigualdade de gênero. Cerca de 17% dos desembargadores e juízes de segunda instância são mulheres (76) — contra 372 homens (83%).

Diferentemente do que aponta o Judiciário, as mulheres são maioria entre os paulistanos — com 23,1 milhões de mulheres (51,9%) e 21,4 milhões de homens (48,1%).

➡ Procurado, o TJ-SP afirmou, em nota, que “foi o primeiro Tribunal no Brasil a abrir concurso exclusivamente para desembargadoras, para preenchimento da vaga de desembargadora, tendo realizado, até o momento, 8 processos nessa modalidade”. (Leia a mensagem completa abaixo.)

Segundo Priscila Pamela, advogada criminalista e especialista em Raça, Sexo e Direitos Civis da Mulher pela USP, o Tribunal de Justiça reflete as estruturas de poder no país, onde há resistência ao acesso de mulheres e dupla barreira para pessoas negras.

Para a advogada, a ausência de diversidade entre tribunais de segunda instância e tribunais de segunda instância também influencia diretamente o resultado das decisões judiciais.

O que traz justiça é justamente a distância do tribunal de sua jurisdição, sua proximidade com as necessidades daquela população. Quanto mais distante ele estiver disso, menos eficaz será a decisão. Por isso, é importante que o magistrado esteja mais próximo das reais necessidades das pessoas que dele necessitam e que esse direito seja o mais importante. E isso só é possível com a pluralidade de perspectivas e experiências que a variedade traz. — Priscila Pamela, advogada especialista em Raça, Gênero e Direitos da Pessoa Feminina pela USP

Situações como o furto por desnutrição (quando a pessoa furta por extrema demanda,(como a compulsão alimentar) e o tráfico de drogas podem ter consequências diversas, dependendo do relato do indivíduo que cometeu o crime — especialmente envolvendo minorias e pessoas de classes sociais mais baixas — diante de um judiciário majoritariamente branco e masculino.

“O juiz, por exemplo, certamente avaliará uma mulher que usou xampu com base em critérios extremamente tecnológicos, o que é muito importante, pois é isso que se espera de um juiz. Mas, sem qualquer contato com a realidade do fenômeno social da compulsão alimentar, a decisão certamente descartará as especificidades da situação. O critério do judiciário atual não tem qualquer proximidade com esse tipo de fato, que não traz justiça”, explica Pamela.

A juíza Maria Cristina Zucchi, que atuou por 20 anos na área e se aposentou neste mês, acredita que houve um avanço em relação a “maior conscientização da diversidade, nível de sensibilidade por caso que exige justiça, seja envolvendo minorias ou não”.

“A sociedade como um todo tem, de fato, exigido cada vez mais atenção aos fatores a serem considerados em relação a minorias, sexo e aspectos negativos, e o TJ-SP tem, a meu ver, respondido a esses fatores com decisões ideais e extremamente atentas às evoluções sociais. O Judiciário paulista tem se preocupado muito em se adaptar ao padrão de justiça que a sociedade atual exige”, afirma o juiz.

2 de 3 Mulheres representam 17% dos tribunais de São Paulo — Foto: Reprodução/TJ-SP

Mulheres representam 17% dos juízes de São Paulo — Foto: Reprodução/TJ-SP

Progresso lento

Nos últimos 18 anos, o TJ-SP tem demonstrado progresso — ainda que tímido — na estrutura de gênero de seus tribunais.Na primeira edição do Anuário da Justiça, publicado em 2007, a organização era composta por 13 juízas. O número aumentou para 76 neste ano. Zucchi acredita que o progresso na diversidade sexual no judiciário é lento, mas está acontecendo. Como exemplo, ela cita a composição do Órgão Especial – que tem autoridade para julgar casos de maior relevância e complexidade. O órgão é composto pelo chefe do TJ-SP, doze dos juízes mais antigos e doze membros eleitos. Atualmente, três juízas eleitas fazem parte do grupo: Luciana Almeida Prado Bresciani, Silvia Rocha e Marcia Regina Dalla Déa Barone. No entanto, todos os membros do Órgão Especial são brancos.

“Mulheres ou pessoas negras estão tendo a oportunidade de mostrar sua capacidade de ocupar de forma adequada e adequada cargos de alto escalão no Judiciário. A tradição de uma profissão formalista como a da magistratura ainda predomina e faz parte do problema”, afirma Zucchi.

A advogada especialista em Raça, Sexo e Direitos Humanos da Mulher reforça que é preciso dar visibilidade tanto às questões de gênero quanto às raciais, destacando a importância da interseccionalidade.

“Que tipo de mulheres [são essas que estão entrando no TJ]? Mais Marias brancas, vindas dos mesmos lugares, vindas da USP, de São Paulo. Encher o tribunal com mais Marias, com esses mesmos relatos, não resolve nada. Então, não adianta avançarmos na discussão de gênero sem uma discussão qualificada que inclua raça. Continuaremos tendo uma conversa vazia que continuará privilegiando determinadas classes”, ressalta.

Resolução do CNJ

Tomando medidas para promover a igualdade de gênero no Judiciário, em 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a resolução nº 525/2023, que alterou as regras de promoção por mérito de magistrados para a segunda instância, a fim de aumentar o número de mulheres nessas posições.

Foram criadas duas listas — uma mista e outra composta apenas por magistradas — utilizadas alternadamente pelos tribunais de segunda instância. Essas listas serão utilizadas até que o tribunal atinja pelo menos 40% de mulheres.

Na época da aprovação, a resolução enfrentou resistência de uma equipe de juízes do TJ-SP, que também impetrou mandado de segurança contra uma notificação que atendia a uma concorrência exclusiva para mulheres, alegando que o procedimento era inconstitucional.

Na avaliação de Priscila Pamela, planos afirmativos como a resolução do CNJ ainda são tímidos, somados à ausência de investimento financeiro em questões raciais.

“É o maior tribunal de justiça do país, onde a população negra é a maioria e apenas 1% dos juízes negros são negros. Então, isso é uma vergonha. Precisamos realmente tornar as medidas mais eficazes até que esses números possam ser maiores. Depois, certamente revisaremos novamente, porque também há uma dificuldade com o acesso e a permanência dessas pessoas nesses espaços.”

O que afirma o TJ-SP

“O Tribunal de Justiça de São Paulo está cumprindo os planos de igualdade racial e de gênero. Foi o primeiro Tribunal no Brasil a abrir concurso específico para juízas, para lotar o quadro de servidores, tendo realizado, até o momento, oito processos nesse sentido.

Em relação às cotas raciais, o TJ-SP segue integralmente as normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).A Comissão de Compensação por Heteroidentificação e a Comissão de Compensação por Recursos de Heteroidentificação são responsáveis ​​pelos concursos nacionais de magistrados (Enam) e pelos concursos públicos estaduais. São compostas por profissionais altamente qualificados que desempenham um papel fundamental na verificação das autodeclarações dos candidatos, garantindo a implementação da política de cotas e auxiliando-a no pleno cumprimento de sua função social. Os resultados são expressivos: o número de candidatos negros e pardos aceitos aumentou nos últimos anos. Atualmente, há 105 juízes autodeclarados negros ou pardos no quadro de servidores do TJSP. A representação em segundo grau vem aumentando gradativamente, visto que as promoções dependem da posição na profissão. O Tribunal acompanha esse avanço e declara seu compromisso com uma Justiça mais diversificada e inclusiva, sempre disponível para discussão com associações e entidades.”

3 de 3 Relato dos desembargadores e juízes de segundo grau do TJ-SP/ Fonte: Anuário da Justiça – Imagem: Art g1

Relato dos desembargadores e juízes de segundo grau do TJ-SP/ Fonte: Anuário da Justiça – Foto: Art g1

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