Uma manifestação foi realizada ao meio-dia desta segunda-feira (14), no centro de São Paulo, contra a morte do camelô senegalês Ngange Mbaye, baleado por um policial militar durante uma ação realizada na região do Brás, na última sexta-feira (11). Ele foi atingido por um tiro na região abdominal durante uma abordagem policial enquanto tentava proteger mercadorias de outro vendedor ambulante. Aos prantos de justiça, os manifestantes marcharam entre a Praça da República e a Prefeitura de São Paulo, no Viaduto do Chá, onde uma placa foi retirada por representantes da administração municipal. Entre os participantes do ato estava o cônsul honorário do Senegal em São Paulo, Babacar Bá. “O que aconteceu foi extremamente lamentável e estamos fazendo tudo o que podemos para garantir que isso não aconteça novamente. Precisamos encontrar maneiras de evitar que isso aconteça novamente”, declarou. Segundo ele, a comunidade senegalesa em São Paulo é composta por cerca de 3 mil pessoas. “Vamos conversar agora com a prefeitura e talvez eles tenham uma solução para o nosso problema, que já é do conhecimento de todos. No entanto, esta não é a primeira morte [grave] de um senegalês em São Paulo. Mas espero que seja a última”, reforçou. O cônsul honorário informou à imprensa que o corpo do vendedor ambulante deve ser levado ao hospital. “O corpo já foi liberado pelo IML [Instituto Médico Legal] e agora será levado para uma capela funerária particular. Ainda vamos marcar uma data [para o envio ao Senegal], mas isso depende dos voos”, disse ele. As informações são da Agência Brasil. Coordenador de Violência Policial da Ação dos Camelôs Unidos (Muca),Maria dos Camelôs disse que a abordagem das autoridades contra Mbaye foi extremamente violenta. Segundo ela, esta não foi a única vez que vendedores ambulantes enfrentaram situações semelhantes nas ruas. “Esta não é a primeira vez. Isso acontece todos os dias. Atrás de cada placa, cada atraso ou cada lona, há um chefe ou mãe de família que sai de casa todos os dias para ganhar a vida. E o que vemos são as fiscalizações seguindo os funcionários como se estivéssemos cometendo um erro. O governo precisa ter vergonha e ir às ruas para entender o que está acontecendo aqui.” O ouvidor do Ministério Público do Estado de São Paulo, Mauro Caseri, considerou o episódio “lamentável”. “Vocês estão vendo uma pessoa que estava tentando lucrar sendo eliminada por força das circunstâncias. Eu entendo que, embora o comportamento dele possa ter gerado preocupação para as agências de segurança, isso não justifica o uso indevido de arma letal. Havia muitas outras maneiras de incluir [o caso]”, disse o ouvidor, em entrevista à Agência Brasil durante o ato de hoje. Para Caseri, a Polícia Militar (PM) de São Paulo precisa incluir em sua rotina o uso de câmeras corporais e armas não letais ou com menor capacidade letal para evitar desastres como este. “Se tivessem usado a Taser [arma de choque elétrico], esse jovem certamente não estaria em condições de agredir ninguém. O problema teria sido resolvido com uma arma não letal”, reforçou, destacando que o ouvidor já solicitou a abertura de um processo correcional na Corregedoria da Polícia Militar para apurar os fatos.O artista e ativista senegalês Kunta Kinté acredita que usar a pressão das autoridades nesse cenário foi exagerado. “A pressão lá não foi igual. As autoridades poderiam ter dado um tiro de advertência e todos teriam ficado parados. Ou atirado no próprio pé. Mas isso foi assassinato. A pessoa era um trabalhador”, afirmou. “Viemos para cá como imigrantes. O Brasil nos oferece oportunidades e estamos indo bem aqui. Contribuímos para o desenvolvimento do Brasil pagando impostos e aluguel. O Brasil é uma terra de imigrantes. Nós, senegaleses que moramos no Brasil, fazemos muitas coisas legais aqui, muitas tarefas sociais. Somos trabalhadores. Estamos conectados ao país. Mas o que aconteceu é horrível”, acrescentou. Policiais participam de uma manifestação contra a morte do vendedor ambulante senegalês Ngange Mbaye, baleado por um policial durante uma operação no Brás. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil. A manifestação realizada naquela tarde também contou com a presença do cantor e escritor Chico César. “Esta não foi a primeira vez e, infelizmente, não será a última. Há pouco tempo, outro senegalês foi jogado de um prédio aqui mesmo em São Paulo, cercado pela Polícia Militar. Essas pessoas estão aqui no Brasil para trabalhar. Elas vieram em busca de melhores condições de vida e, infelizmente, acabam encontrando a morte por serem negras”, proclamou. “O Brasil é uma terra de imigrantes e acolheu muito bem italianos, espanhóis, portugueses e alemães. Mas como acolhe os africanos? Convida-os da mesma forma que foram trazidos para cá nos porões dos navios [escravistas]. Acolhe-os da mesma forma que tratou as populações indígenas, com escárnio,Desprezo e violência. Essas fatalidades não ferem apenas os imigrantes ou os africanos, mas toda a cultura brasileira em sua essência, naquilo que deveria ser o mais plural e diverso. Quando um imigrante senegalês é morto pelas Forças Armadas no centro de uma das finanças mais importantes do Brasil, a maior cidade da América do Sul, é a parte mais profunda da sociedade brasileira que está sendo ferida”, afirmou o cantor. “A cultura brasileira precisa ir às ruas para exigir justiça. Não apenas vingança, mas justiça. Cada fatalidade desse tipo precisa ser investigada. Cada perpetrador ou intelectual e cada hierarquia precisam ser penalizados”, concluiu. Segundo Paulo Illes, diretor executivo do Centro de Direitos Civis e Cidadania do Imigrante, os imigrantes negros e africanos estão entre os que mais correm risco de lidar com a violência física no Brasil. “Precisamos reavaliar a estratégia necessária para essas pessoas no plano de imigração, mas, de forma geral, esse fato das pessoas que trabalham nas estradas da cidade de São Paulo”, disse ele. “Não é a primeira vez que isso acontece. No ano passado, tivemos aquele caso ainda inusitado de um senegalês que, teoricamente, se jogou de um prédio aqui na prefeitura. Mas ainda não temos um resultado dessa investigação e agora temos essa verdade”, destacou. “Quando um imigrante vai trabalhar na estrada ou faz qualquer trabalho, ele vem aqui para São Paulo para tentar mudar de vida. E ele tem um investimento. Aquele carrinho foi o investimento da vida dele [Ngange Mbaye]. Ele estava salvaguardando vidas com os poucos bens que possuía. Não podemos permitir que algo assim aconteça. É um absurdo. A polícia exige mais treinamento.Eles precisam saber exatamente como cuidar das pessoas que estavam lá se protegendo. Este é um caso que precisa ser investigado. Este e todos os outros casos de imigrantes negros na cidade de São Paulo”, reforçou Illes. Esta é a segunda manifestação contra a morte do vendedor ambulante. No último sábado (12), um protesto na área central do financiamento terminou em forte repressão pela Polícia Militar, que usou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar o evento. Manifestação contra a morte do vendedor ambulante senegalês Ngange Mbaye, baleado por um policial durante uma operação no Brás– Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil Clamor por justiça Enquanto uma comitiva de manifestantes e autoridades presentes no evento estava reunida na prefeitura, vários senegaleses protestavam do lado de fora. Entre eles estava a jovem Meissa Loss, que era grande amiga de Mbaye e estava com ele quando o vendedor ambulante foi morto. Gritando, Fall exigiu justiça. “Vocês podem até tirar esse policial hoje, mas ele vai para outro lugar e certamente outro policial virá e fará a mesma coisa ou até pior. Mbaye morreu e era um homem casado”, declarou, emocionado. “Eu estava com ele [naquele dia]. Ele estava sempre comigo. A família dele me liga e eu não sei o que dizer a eles. No dia em que ele morreu, um policial atirou na barriga dele. Ele caiu e eu disse ao policial que ele estava morrendo. Mesmo assim, eles o algemaram e me pressionaram com suas armas. Desmaiei e me levantei no posto de saúde. A família dele está sofrendo no Senegal. Ele tinha uma companheira e um filho lá”, disse Fall. Posteriormente, à repórter da Agência Brasil, Loss afirmou que Mbaye estava no Brasil há cerca de 11 anos e foi quem o recebeu aqui.Pouco tempo depois, quando também decidiu se estabelecer e residir no país. Repercussão O sacerdote da União Africana e Relações Exteriores do presidente senegalês, Yassine Loss, disse que pedirá explicações ao governo brasileiro sobre a morte do vendedor ambulante Ngange Mbaye. “Por meio de nossa representação cortês, buscaremos meios de esclarecer as circunstâncias desta terrível morte”, disse ele em um comunicado à imprensa. “Foi com grande tristeza e consternação que fui notificada da terrível morte do nosso compatriota Ngagne Mbaye em São Paulo”, escreveu ela. “Neste momento desagradável, gostaria de compartilhar, em apoio ao governo do Senegal, as nossas mais sinceras condolências. A organização não governamental (ONG) Horizonte Sem Fronteiras, que monitora situações de migração e violência, também condenou o evento, alegando que a fatalidade foi “um novo crime cometido contra um cidadão senegalês no Brasil” e que o país é considerado uma “zona de violência local”. “Em 2018, a polícia brasileira matou mais de 6.220 pessoas, o maior número já registrado na história da segurança pública do país. Esse número significa que 17 cidadãos são mortos diariamente em atendimento policial. Aconselho o Estado a aumentar a conscientização sobre a segurança e as taxas de criminalidade em determinadas áreas, a fim de melhor proteger os senegaleses em todo o mundo”, diz o comunicado da ONG. Uma declaração contra a morte do fornecedor ambulante senegalês Ngange Mbaye, baleado por um policial militar– Foto: Paulo Pinto/Agência BrasilOutro lado Em comunicado,A PM informou que abriu um inquérito policial militar (IPM) para investigar o caso e que afastou o policial envolvido de suas funções. “A ocorrência foi registrada na 8ª Delegacia de Polícia como uma fatalidade decorrente de atendimento policial e tentativa de homicídio e está sendo investigada pela Divisão de Homicídios e Segurança Pública (DHPP). O policiamento na região foi reforçado.” A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo também reforçou que “todos os casos de fatalidade decorrentes de atendimento policial são investigados criteriosamente pelas Polícias Civil e Militar, com fiscalização das Delegacias de Eventos Internos, Ministério Público e Judiciário. As forças de segurança não toleram má conduta e punem severamente aqueles que infringem a lei ou desrespeitam as normas e procedimentos de suas empresas. “O governo municipal, que foi responsável pela Operação Delegada no dia da morte do senegalês – um acordo estabelecido entre o governo e as forças de segurança para reforçar a segurança em determinadas áreas e combater os vendedores ambulantes ilegais nas ruas da cidade – tem ainda não se pronunciou sobre a situação.
