A história da poluição atmosférica por metais na cidade de São Paulo pode ser verificada nas camadas de detritos acumuladas ao longo do último século. Utilizando a paleolimnologia – uma abordagem que permite a recuperação de alterações ambientais anteriores com base em testemunhos sedimentares –, cientistas reconstruíram um século de poluição atmosférica por metais na região a partir de amostras coletadas no Lago das Garças, no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (Pefi).
O estudo mostrou uma forte correlação entre industrialização, crescimento populacional e o aumento desse tipo de poluente. Os resultados foram publicados no periódico Environmental Science and Air Pollution Research.
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Os pesquisadores avaliaram as concentrações de oito metais — cobalto, cromo, cobre, ferro, manganês, níquel, chumbo e zinco — no fundo do tanque, cujos sedimentos contêm registros de cerca de um século.
“Tudo o que acontece em uma bacia hidrográfica acaba, de alguma forma, sendo registrado nos detritos dos ambientes aquáticos. Escolhemos o Lago das Garças porque ele nunca foi escavado, o que nos permitiu preservar a sequência histórica de deposição de toxinas”, afirma Tatiane Araujo de Jesus, coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Soluções de Engenharia Ecológica da Universidade Federal do ABC (UFABC) e primeira autora do artigo. Os cientistas coletaram amostras de sedimentos com a ajuda de mergulhadores. Essas amostras são cilindros verticais de material transferido do fundo do lago. Considerando que o carbono-14 não é adequado para datar exemplos relativamente recentes, as camadas foram datadas utilizando chumbo-210.O princípio físico é o mesmo do carbono-14: a degeneração radioativa do isótopo. “O chumbo-210 tem uma meia-vida de cerca de 22,3 anos, então, por meio da aplicação desse isótopo, conseguimos atribuir uma idade a cada camada de detritos, como se estivéssemos numerando as páginas de uma publicação”, explica Jesus. Os resultados revelaram três grandes períodos na evolução da contaminação por aço na cidade de São Paulo. Camadas correspondentes ao período pré-industrial, que durou até 1950, apresentaram concentrações reduzidas de metais, indicando uma época em que o local era muito menos impactado por atividades humanas. Vale lembrar que o reservatório de armazenamento, formado pelo represamento do córrego Campanário em 1893, foi utilizado para abastecimento de água até 1928. No período de 1950 a 1975, os níveis de aço começaram a subir gradativamente.
Fatores como o aumento do tráfego aéreo no terminal do Aeroporto de Congonhas (inaugurado em 1936), o crescimento das montadoras e metalúrgicas na região do ABC Paulista e a urbanização desenfreada contribuíram para o acúmulo de poluentes. O auge da poluição ocorreu no período abaixo, de 1975 a 2000. A partir da década de 1970, houve um aumento substancial na concentração de aços como chumbo, níquel, ferro, cromo e cobre. Ao avaliar os dados coletados, o fator regional deve ser considerado, visto que o período coincide com a implantação da Rodovia dos Imigrantes (1974), que impulsionou o tráfego de caminhões na região. “Observamos que a maior parte desses metais encontrados teve origem em escapamentos de veículos e comerciais”, afirma o pesquisador. Um dos achados mais marcantes da pesquisa foi a queda nos níveis de chumbo nos sedimentos após 1986,quando o Brasil proibiu o uso de gasolina com chumbo por meio do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve). “Até então, o chumbo era utilizado como aditivo na gasolina e, com sua proibição, observamos uma diminuição de sua concentração em sedimentos. Isso demonstra como os planos ambientais podem ter influências positivas e quantificáveis”, ressalta Jesus. Apesar da redução do chumbo, as concentrações de vários outros metais continuaram a aumentar ao longo da década de 1990, especialmente cobalto, níquel e cobre, provavelmente devido a mudanças nos processos industriais. Os dados sugerem que uma siderúrgica próxima ao reservatório, que anteriormente produzia aço, passou a fabricar artefatos de aço nesse período, o que pode ter transformado o perfil da poluição por metais. O estudo não apenas revelou a evolução da poluição por metais em São Paulo, mas também destacou a relevância dos sedimentos como indicadores ecológicos. “Os sedimentos são como um arquivo: eles armazenam evidências de mudanças no ambiente ao longo do tempo. Esse tipo de análise pode ser benéfico no direcionamento de técnicas de proteção e recuperação do meio ambiente”, afirma a pesquisadora. E ela destaca que, embora alguns Embora tenham sido observadas reduções nos níveis de poluição, muitos metais persistem nos detritos, constituindo uma obrigação ambiental. “O que podemos fazer atualmente é usar essas informações para desenvolver objetivos de recuperação. Sabemos quais eram os níveis naturais desses metais antes da industrialização e podemos trabalhar para tentar reverter parte do impacto”, afirma. Além disso, o estudo apresenta representações sobre áreas de conservação, como o Parque Estadual das Fontes do Ipiranga. “É inadequado simplesmente dividir uma área e chamá-la de área de conservação.Se a poluição do ar e a deposição de toxinas não forem controladas na região ao redor, o efeito certamente continuará”, alerta Jesus. Os resultados reforçam a necessidade de planos públicos mais abrangentes para minimizar a poluição comercial e automobilística, juntamente com procedimentos de recuperação ecológica em áreas poluídas. “Informações históricas nos ajudam a entender exatamente como chegamos aqui e podem servir de base para decisões mais conscientes sobre o futuro da qualidade ambiental da cidade”, finaliza o pesquisador. A pesquisa foi apoiada pela FAPESP por meio de bolsas de doutorado concedidas a Tatiane Araujo de Jesus e Sandra Costa-Böddeker, segunda autora do artigo.
