“O Brasil defende o multilateralismo e o mercado aberto com diretrizes, respeitando a OMC. Então, vejo que esse é o caminho a seguir”, disse o chefe de Estado em exercício. Os acordos sobre tarifas de importação entre os dois países começaram no sábado (10), em Genebra. 1 de 5 Presidente em exercício, Geraldo Alckmin (PSB), durante visita à feira do MST em SP — Foto: Reprodução/GloboNews

Presidente em exercício, Geraldo Alckmin (PSB), durante visita à feira do MST em SP — Foto: Reprodução/GloboNews

O chefe de Estado em exercício, Geraldo Alckmin (PSB), afirmou neste domingo (11), em São Paulo, que “espera que essa excelente conversa” entre EUA e China dê certo.

“O Brasil defende o multilateralismo e o livre comércio com diretrizes, respeitando a OMC [Organização Mundial do Comércio]. Então, eu vejo que esse é o caminho a seguir. O Brasil é um país cujo comércio exterior é extremamente importante, o maior parceiro comercial do Brasil é a China, que é o maior comprador do Brasil, e o maior capitalista [do Brasil] são os EUA. Então, nós torcemos para que essa ótima discussão dê certo”, afirmou, durante visita à Feira Nacional da Reforma Agrária, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na Zona Oeste de São Paulo.

2 de 5 O presidente dos EUA, Donald Trump, participa de uma reunião bilateral com o presidente chinês, Xi Jinping, durante a reunião dos líderes do G20 em Osaka, Japão, em 29 de junho de 2019. — Foto: REUTERS/Kevin Lamarque/File Picture

O chefe de Estado dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de uma conferência recíproca com o presidente chinês, Xi Jinping, durante a reunião dos líderes do G20 em Osaka, Japão, em 29 de junho de 2019. — Foto: REUTERS/Kevin Lamarque/File image

Os acordos sobre tarifas de importação entre os dois países começaram no sábado (10), em Genebra.O primeiro encontro durou cerca de oito horas e contou com a presença do Assistente do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, do Vice-Primeiro-Ministro da China, He Lifeng, e do Representante Comercial Americano, Jamieson Greer. Bressant afirmou à imprensa que os acordos tiveram “progresso considerável” e que detalhes sobre as conversas entre Washington e Pequim serão divulgados nesta segunda-feira (12). Lula afirma que a parceria do Brasil com a China não é “qualificada para causar um arranhão” com os Estados Unidos. Lula na China

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reúne hoje com o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim.

Certamente será o terceiro encontro importante entre ambos, desde que Lula assumiu o terceiro mandato em janeiro de 2023.

E enquanto os governos de ambos os países encaram a viagem como uma oportunidade para aprofundar as colaborações entre as duas nações, a visita de Lula à China ocorre em meio a um contexto global de instabilidade.

Os Estados Unidos e a China estão em franca desacordo sobre impacto global. O relatório anual da comunidade de inteligência dos Estados Unidos, divulgado este ano, classificou a China como “a ameaça militar mais ampla e duradoura à segurança nacional”.

E uma das regiões para as quais o foco tem se voltado nos últimos meses é a América Latina. Em abril, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou em entrevista à versão espanhola da rede Fox News que os países da região “poderiam” ter que escolher entre os Estados Unidos e a China.

“Possivelmente, nesse sentido. Foi o que o Panamá fez, é o que outros estão fazendo e talvez considerando fazer. Talvez. Sim,Talvez eles devessem fazer isso (escolher entre China e Estados Unidos)”, disse Trump na reunião.

O presidente dos EUA não esclareceu em detalhes o que significaria, na prática, para um país latino-americano ter que escolher entre os Estados Unidos e a China, mas um dos motivos do atual desacordo entre os Estados Unidos e a China na América Latina é econômico.

Dados do Banco Mundial para 2022 (um dos anos mais recentes disponíveis) mostram que os EUA ainda são o principal parceiro comercial da América Latina. No total, os Estados Unidos são responsáveis ​​por 41% das exportações da região para o mundo. Por outro lado, o país vende 30% de tudo o que a região importa.

A China, no entanto, vem logo atrás. O país oriental é responsável por 12% das exportações da região e 20% de suas importações. A diferença, no entanto, é que os chineses têm um saldo comercial positivo com a América Latina, enquanto os americanos têm um saldo negativo, pois recebem mais do que oferta.

Além da questão econômica, os americanos têm citado questões geopolíticas sobre o esperado aumento da presença chinesa na região. Entre um dos mais recentes fatores de tensão está o Canal do Panamá, que é controlado pelo Panamá, mas cujo impacto chinês tem sido questionado por Trump desde que assumiu o cargo em seu segundo mandato.

3 de 5O Canal do Panamá foi alvo de pressão popular para impedir que empresas chinesas regulamentassem os portos ao longo do corredor marítimo – Foto: Getty Images/ via BBC

O Canal do Panamá foi alvo de pressão popular para impedir que empresas chinesas administrassem os portos ao longo do corredor marítimo – Foto: Getty Images/ via BBC

A pressão dos Estados Unidos aparentemente funcionou e o governo panamenho anunciou que não renovaria a parceria do país com a Iniciativa Cinturão e Rota, um dos principais programas de investimento da China no exterior. Além disso, o grupo chinês que detinha a concessão dos portos ao longo do canal comercializou seus procedimentos para fundos norte-americanos.

Mas e se a pressão exercida no caso panamenho chegasse ao Brasil? O país teria que escolher entre os EUA e a China? E se isso acontecesse: com quem o Brasil deveria se aliar?

Lula desembarca na China de olho em oportunidades de negócios

Autoridades e profissionais ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a hipótese de o Brasil ser obrigado a escolher entre um país ou outro é remota em razão de uma série de variáveis. Entre elas está a tradição diplomática brasileira, que evita posicionamentos automáticos, e o fato de que, do ponto de vista econômico, os Estados Unidos dificilmente conseguiriam absorver o fluxo de exportações brasileiras para a China.

4 de 5 Os chefes de Estado do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da China, Xi Jinping, se cumprimentam em Pequim durante cerimônia para homologação de acordos comerciais entre os dois países, em 14 de abril de 2023 — Foto: Ken Ishii/AFP

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da China, Xi Jinping,Cumprimentar-se em Pequim durante cerimônia de assinatura de acordos comerciais entre os dois países, em 14 de abril de 2023 — Foto: Ken Ishii/AFP

Situação remota

As relações do Brasil com a China e os Estados Unidos têm histórias bastante diversas.

O Brasil mantém relações cordiais com os EUA desde 1824, dois anos após o anúncio da independência do Brasil. Historicamente, ambos os países tiveram momentos de maior proximidade e diversidade. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos ultrapassaram o Reino Unido como principal parceiro comercial do Brasil e os laços entre ambos se aprofundaram.

Com a China, no entanto, as relações diplomáticas são mais recentes. O Brasil retomou as relações com a China em 1974, ainda durante a Tirania Militar. A medida brasileira seguiu a reaproximação liderada pelo então presidente americano Richard Nixon com o país oriental.

Na década de 1980, o então presidente José Sarney visitou o país, mas foi na década de 2000 que as relações entre os dois países começaram a se fortalecer.

Em 2004, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a China como economia de mercado. Em 2009, o país oriental ultrapassou os EUA e se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, posição que mantém até hoje.

Embora Trump não tenha esclarecido os termos do “acordo” entre EUA e China, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil descartaram a possibilidade de ele estar falando sobre um cenário de conflito aberto entre os dois países. Isso por um motivo simples: China e EUA são potências nucleares e uma disputa militar entre eles pode resultar em consequências devastadoras.

Especialistas, portanto, explicam que Trump provavelmente está se referindo à situação de guerra profissional e política que vem se desenrolando entre os dois países.

Trump, por exemplo, vem demonstrando repetidamente desconforto com a aproximação entre países do suposto Sul Global, como Brasil e China.

Em uma crítica direta aos BRICS, grupo de países formado por Brasil, China, Rússia e Índia, Trump intimidou-se a reagir caso o bloco tentasse adotar medidas para reduzir o uso do dólar em negócios internacionais. Essa é uma das propostas que o grupo vem discutindo há alguns anos.

Trump não fez ameaças diretas ao Brasil devido à sua distância da China, mas a ideia de que o Brasil seria forçado a escolher entre os Estados Unidos ou a China não é bem recebida entre os mediadores brasileiros, incluindo o ex-ministro das Relações Exteriores e atual assessor internacional da Presidência da República, Celso Amorim.

Em abril, ele informou à BBC News Brasil que esse tipo de decisão certamente não se aplicaria ao Brasil.

“O Brasil não fará essa escolha. Os EUA são realmente importantes para nós e certamente continuarão sendo. Queremos que continuem sendo. Mas outros países também são importantes. A China é, sem dúvida, mas outros países também são, como a Índia e a União Europeia.”

Mediador há mais de 6 anos, Amorim acompanhou diversos momentos da política externa brasileira e ressalta que, tradicionalmente, o Brasil tem procurado evitar posicionamentos automáticos com potências.

As exceções ocorreram na década de 1940, quando o Brasil, pressionado pelos EUA,juntou-se ao bloco aliado e entrou na Segunda Guerra Mundial contra o Eixo, desenvolvida por Alemanha, Itália e Japão.

A outra exceção ocorreu entre 2019 e 2023, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que aderiu abertamente a um posicionamento ideológico e político com os EUA, na época liderado por Donald Trump.

Embora o período tenha sido marcado por tensões entre o substituto governamental Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e diplomatas chineses, o Brasil, no entanto, não diminuiu seu fluxo comercial com o país oriental.

“Historicamente, o Brasil busca uma postura de apartidarismo e busca a postura de buscar relações vantajosas e positivas com todos os parceiros do mundo”, afirma à BBC News Brasil o ex-Assistente de Relações Exteriores do Brasil entre 2007 e 2011, Welber Barral, que hoje atua como consultor internacional para empresas com negócios em diversos países, incluindo a China.

A ‘miopia’ de Trump

Para Barral, a ideia proposta por Trump, de que os países latino-americanos teriam que escolher entre os Estados Unidos ou a China, é “miopia” e não se aplicaria ao Brasil. O país não possui acordos comerciais complementares com nenhum dos dois, e ambos são considerados essenciais para a saúde da economia brasileira.

“Esta declaração é míope porque não se pode obrigar os países a fazerem essa escolha. Os países têm interesses divergentes ou diferentes. [No caso do Brasil], ninguém vai comprar exportações agrícolas brasileiras como a China”, disse Barral à BBC News Brasil.

Aliás, dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria,O Ministério do Comércio e Serviços (MDIC) verifica que, atualmente, a participação da China nas exportações brasileiras dificilmente será alterada, no curto prazo, por outros países. Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil, superando os EUA.

De acordo com dados principais, em 2024, o Brasil exportou US$ 94 bilhões para a China. Grande parte desse montante é composto por ativos agrícolas, como soja, minério de ferro e petróleo.

Em apoio à China, a realidade que o saldo entre exportações e importações declara para o Brasil também considera. A diferença entre o que o Brasil oferece e o que o Brasil compra da China foi de US$ 30 bilhões.

Com os EUA, a situação é diferente. Em 2024, o Brasil exportou US$ 40,3 bilhões e importou US$ 40,6 bilhões, o que gerou um déficit de US$ 300 milhões para os norte-americanos.

Por outro lado, Barral também descarta um posicionamento brasileiro completo em relação à China.

Segundo ele, enquanto as exportações para a China beneficiam setores como o agronegócio, com forte influência na economia do interior do país, as exportações para os Estados Unidos beneficiam setores como o agronegócio, com forte impacto nas áreas urbanas do Brasil.

“Quando você olha as exportações do Brasil para os Estados Unidos, elas são bastante heterogêneas […] há uma quantidade extremamente significativa de produtos manufaturados, em grande parte devido a uma eficiente integração entre as subsidiárias das empresas americanas”, afirma Barral.

5 de 5 O Brasil é o maior exportador de soja do mundo e a China é uma grande compradora do produto brasileiro– Foto: Ueslei Marcelino/Reuters/ via BBC

O Brasil é o maior exportador de soja do mundo e a China é uma grande compradora do produto brasileiro– Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters/ via BBC

Maurício Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil, afirma que outro fator que certamente inviabilizaria um posicionamento diferenciado do Brasil com a China são os investimentos norte-americanos feitos no Brasil.

“Se considerarmos do ponto de vista da profissão estrangeira, o Brasil exporta muito mais para a China do que para os Estados Unidos. Mas, por outro lado, os americanos gastam muito mais no Brasil do que os chineses.”

Dados do MDIC comprovam a afirmação do professor.

Entre 2010 e 2023, os EUA lideram o posicionamento de oferta de investimentos estrangeiros no Brasil, com US$ 270 bilhões. A China vem em 5º lugar, com US$ 50 bilhões.

Do lado norte-americano, grande parte dos investimentos no Brasil são resultado de operações entre empresas no país com filiais em território brasileiro. Do lado chinês, parte desses investimentos, nos últimos anos, tem sido direcionada para projetos de infraestrutura.

“Há certas inovações que os americanos têm e os chineses não. Um exemplo está na localização de semicondutores inovadores ou equipamentos militares, que o Brasil compra dos americanos e não dos chineses. E há outras inovações que a China oferece e os EUA não, como o padrão 5G.”Simplesmente não é viável para o Brasil fazer essa escolha”, esclarece. Além disso, afirma Santoro, ambos os países fornecem tecnologias diversas e necessárias ao Brasil. Para Santoro, a enorme quantidade de investimentos norte-americanos no Brasil é apenas um dos elementos que explicam a reação que ele chama de “medida” do governo brasileiro em relação às tarifas aplicadas pelos EUA sobre produtos importados do Brasil. A tarifa para muitos produtos permaneceu em 10%. Embora Lula tenha prometido demonstrar “reciprocidade” se os EUA aplicassem pedágios sobre produtos brasileiros, até o momento, nenhuma medida vingativa foi de fato adotada pelas autoridades nacionais. Capacidade de coerção Santoro também ressalta que os Estados Unidos certamente não teriam as condições políticas ou financeiras para impor esse tipo de “opção” ao Brasil. “Pode ser possível para os EUA aplicarem sistemas de intimidação mais rígidos em algumas partes da América Latina, como México, América Central ou Caribe, porque essas são nações que realmente dependem dos EUA”, diz Santoro.

Segundo ele, o fato é diferente para a América do Sul, que inclui o Brasil.

“A economia mundial se transformou e os laços desses países com a China ou a Europa acabaram se fortalecendo. É uma política que não funcionaria […] Os EUA não têm a capacidade, hoje, de persuadir o Brasil a adotar uma diplomacia específica em relação à China. E eu presumo que isso certamente seria contraproducente para os americanos”, afirma Santoro.

Para Welber Barral, tudo indica que o Brasil continuará neutro em meio ao conflito entre EUA e China.

“Não há posicionamento automático da diplomacia brasileira. O que o Brasil vai tentar fazer é manter um nível de neutralidade ou tentar ter uma ótima conexão com todos os países.”

Para ele, a posição assumida pelos Estados Unidos espelha o que ele chama de diminuição do poder norte-americano. E, segundo ele, os EUA estão errados em tentar impor posicionamentos.

“Os EUA, como uma potência em declínio, certamente responderão e tentarão manter sua zona de influência. A discussão é se os planos que eles estão adotando hoje são sábios o suficiente para manter essa zona de influência. Muitas pessoas dirão que não”, afirma Barral.

Santoro faz uma avaliação semelhante.

“Os EUA estão vendo a América Latina como um problema, como uma fonte de instabilidade por causa da imigração e do crime organizado. Os chineses veem a América Latina como uma possibilidade”, diz ele.

Site Noticias

Written by

Site Noticias

Leave a Comment