A dramaturgia de Sergio Blanco consolidou-se como um exame eficaz das fronteiras entre realidade e ficção no cinema contemporâneo. Em “Terra de Tebas”, o parricídio — um estilo ancestral que remonta a Édipo — é dissecado como resultado de uma sociedade que desmantelou seus próprios equívocos sem fornecer novas referências. A produção que remonta a São Paulo, desta vez no Teatro Vivo, traz essa fissura ao palco com uma encenação que funciona como tribunal e espelho. Além de revisitar o equívoco grego, Blanco o desmonta e o reconstrói a partir de um crime real, tecendo discussões com Freud, Dostoiévski e Maupassant. A peça expõe a teia de oposições que cerca o parricídio, indicando a família como o centro gerador das neuroses, a justiça como uma organização problemática e o teatro como um espaço de acolhimento e realidade. A história é estruturada como um ensaio de casamento encenado dentro do próprio espetáculo, onde os atores discutem as limitações da representação. O resultado é um jogo de camadas onde o público-alvo se confronta com suas próprias questões. Os atores Otto Jr. e Robson Torinni são os protagonistas desse labirinto. Robson Torinni traz uma densidade perturbadora ao jovem parricida – seu personagem não é nem um animal nem um santo, mas sim parte de um sistema que fracassou em todos os sentidos. Otto Jr. esclarece sua jornada com uniformidade, estabilizando perfeitamente a vulnerabilidade crucial do processo criativo. A cenografia de José Baltazar e a iluminação de Maneco Quinderé reforçam o caráter irrealista da proposta. Projeções e anotações em um quadro branco funcionam como pistas para um processo criativo flexível. A direção de Victor Garcia Peralta acompanha um ritmo fragmentado.com cenas que se repetem como um problema, recusando qualquer linearidade tranquilizadora. O que torna a peça tão atual, além de seu caráter metateatral – tão caro ao contemporâneo –, é sua rejeição à simplificação do humano. Blanco entende que a família é um campo minado onde se gestam tanto o amor quanto a barbárie. Se Édipo matou o pai sem saber que o fez, o que podemos dizer de um jovem que assassina conscientemente? Sem responder, a peça aumenta a preocupação: em um mundo sem deuses responsáveis, quem carrega a responsabilidade pela violência? Em conclusão, não há um julgamento claro. “Terra de Tebas” atende ao que Brecht esperava do teatro: desnaturalizar o mundo e fazer com que o espectador saia menos seguro de suas certezas. Três perguntas para… Victor Garcia Peralta A peça se passa em uma quadra de basquete de uma prisão, um espaço liminar entre a prisão e a liberdade. Exatamente como essa configuração interage com os motivos do texto (vergonha, julgamento, voyeurismo)? A configuração desenvolvida na peça dialoga constantemente com os diversos motivos resolvidos ao longo da mensagem, produzindo um cenário rico e significativo. No entanto, é com a metalinguagem que essa conexão se torna ainda mais perceptível, pois a peça propõe uma representação sobre a própria produção teatral, revelando os bastidores da produção de uma obra cênica. Ao aliar esse procedimento inovador aos encontros entre o escritor e o detento, em uma sala de confinamento físico e simbólico, o cenário acaba se tornando um elemento essencial para sustentar e intensificar essa dualidade. A mensagem, construída como autoficção, rompe os limites entre verdade e criação, e o cenário segue essa proposição.Adaptando-se às transições entre os vários planos narrativos. Portanto, o espaço fásico torna-se um espelho da própria estrutura da obra, em alguns casos representando o cenário da prisão, muitas vezes assumindo formas muito mais abstratas ou simbólicas, que remetem ao mundo interior do autor-personagem. Ao fazer isso, o cenário não apenas ilustra, mas também participa ativamente da narrativa. A dramaturgia mistura referências literárias (Dostoiévski, folclore) com a violência contemporânea. Como essa erudição pode ser equilibrada com a crueza da narrativa? A mensagem já demonstra um equilíbrio impressionante nesse aspecto por meio da própria estrutura da escrita. Sempre que uma referência cultural, literária ou reflexiva é apresentada, Sergio Blanco se certifica de contextualizá-la dentro da ação dramática, tornando-a acessível e de fácil compreensão para o público. Esse tratamento na estrutura teatral permite que a peça mantenha sua densidade intelectual sem se tornar hermética, pois as referências não são apenas apontadas, mas integradas à narrativa de forma orgânica. Eles surgem como parte da experiência dos personagens e acabam sendo elementos energéticos no desenvolvimento da história. Com isso, o autor produz uma dramaturgia que não subestima o conhecimento do espectador. Em 2018, a peça estreou em um Brasil polarizado. Atualmente, em 2025, que novas análises ou urgências você acredita que “Terra de Tebas” ganhou? Acredito que “Terra de Tebas” acaba sendo significativamente relevante com o passar do tempo. É uma peça profundamente centrada na empatia — na capacidade de se colocar no lugar do outro, de ouvir atentamente e de tentar compreender experiências que nos são estranhas. Em um mundo onde a singularidade,A polarização e a indiferença parecem crescer a um preço angustiante, e a peça se apresenta como um chamado urgente para resgatar esse nível humano de sensibilidade que, infelizmente, se tornou significativamente raro. Praticar esse exercício de compaixão hoje não é apenas um movimento ético, mas uma necessidade urgente. A peça nos confronta com isso de forma poética e contundente, lembrando-nos que, ao refutar o outro, também negamos uma parte importante da nossa própria humanidade.

Site Noticias

Written by

Site Noticias

Leave a Comment