
Ela canta, toca baixo e guitarra. Com sua banda anterior, Sonic Youth, uma das maiores bandas de rock alternativo das décadas de 1980 e 1990, ele inspirou inúmeras garotas a perseguirem o sonho de se tornarem estrelas do rock. Além disso, ela se tornou um símbolo da moda após ser fotografada para campanhas da Saint Laurent e da Gucci. Por suas características, Kim Gordon é uma das artistas mais descoladas de sua geração, amada tanto pelo público que participa de programas de moda quanto por aqueles que usam tênis Converse sujos enquanto gargarejam em uma apresentação de rock em algum barzinho ou festival de música. No ano passado, ela lançou seu segundo álbum solo, ao qual se dedicou desde o fim do Sonic Youth, banda na qual tocava baixo e cantava. O grupo, conhecido por alternar entre músicas de cunho pop e outras ainda mais experimentais, que testavam a persistência do ouvinte com seus minutos ilimitados de guitarras dissonantes, fez seu último show em São Paulo há quase 15 anos. Em “The Collective”, Kim trocou o baixo pela guitarra e o rock pelo rap, optando por um som hipnótico e recorrente sobre o qual canta, por exemplo, sobre a masculinidade perdida. “Não me chame de venenoso/ Só porque eu gosto da sua bunda”, dizem os versos de “I’m a Guy”. Mas nem todos os versos de Kim têm um tom político e feminista. Na primeira faixa do álbum, “Bye Bye”, ela faz suas dedicatórias e uma lista de produtos que pode levar na mala de viagem — “remédios para dormir, tênis, botas, roupa preta, camisetas brancas, remédios”. É ridículo e debochado, assim como o estilo da musicista. É esse CD que a vocalista de 71 anos presenteia São Paulo em show no festival Popload, no dia 31 de maio, no Parque do Ibirapuera, e em uma edição extra do dia seguinte,no Cine Joia, também na capital paulista. O show “é como o CD”, afirma ela, em entrevista em vídeo. “É meio que uma música dançante.” Ela conta que o áudio, diferente do que utilizou com o Sonic Youth e que adotou em seu primeiro álbum solo, “No Home Record”, de 2019, se deve à mão do produtor Justin Raisen, também responsável por trabalhos dos roqueiros Yeah Yeahs e da rainha da geração Z, Charli XCX. “Eu disse a ele que queria fazer mais coisas com batidas, porque é mais fácil para mim pensar nas letras dessa forma. Não tenho uma grande variedade vocal, então gosto de espaço e ritmo”, afirma, com sua voz rouca característica, exatamente como a dos álbuns do Sonic Youth. Ao lado de Courtney Love, líder do grupo Opening, e Shirley Manson, diva do Waste, Kim deu um rosto feminino ao rock alternativo dos anos 1990. Questionada se ficou mais fácil ser uma mulher na música independente desde então, a vocalista responde que essa não parece ser a pergunta certa a se fazer atualmente. “Sinceramente, quando há mulheres sendo presas por perderem bebês na Geórgia ou Virgínia, ou em qualquer estado tradicional [
nos EUA], é muito difícil imaginar como as mulheres estão se saindo na música”, diz ela, sempre concisa e direta em suas respostas. Kim é uma humanista que se opõe ao governo de Donald Trump, como explicam suas mensagens no Instagram. Em uma delas, por exemplo, ela aparece vestindo uma camiseta com a estampa “Golfo do México”, em resposta à tentativa forçada do presidente americano de mudar o nome do canal para Golfo da América. Embora os sintomas políticos em sua arte não sejam explícitos ou panfletários,Ela afirma que considera a música com a qual sempre se envolveu uma espécie de protesto, começando com o Sonic Young People, uma banda “versus grandes corporações”, na definição deles. “Mas isso mudou alguma coisa? Não. Eu acredito que é muito importante questionar a autoridade, basicamente. E a música pode fazer uma pessoa questionar a autoridade. Então eu acredito que isso é algo positivo.”