A denúncia indica que pelo menos cinco GCMs integram a quadrilha — entre eles, o atual Secretário de Segurança, considerado culpado de furto em açougues, e outro que foi o principal fiscal da empresa. O caso foi divulgado com exclusividade pelo G1 e pela TV Globo.

Equipe formada pelo Secretário de Segurança de Ribeirão Pires compartilha material apreendido

Guardas civis metropolitanos de Ribeirão Pires, cidade da Grande São Paulo, são acusados ​​pelo Ministério Público de integrar uma milícia clandestina entre pelo menos 2019 e 2023. Os agentes teriam se estruturado para praticar crimes como roubo e extorsão na cidade.

Segundo o MP, o grupo reúne todas as características do crime, como número de integrantes, organização, ramo de atuação, uso de ferramentas e até vínculo com empresas de segurança privada. O caso foi divulgado com exclusividade pelo G1 e pela TV Globo.

A denúncia sugere pelo menos cinco GCMs como integrantes dessa milícia — entre eles, Sandro Torres Amante, atual Assistente de Segurança Pública de Ribeirão Pires. Com base nessa mesma denúncia, Sandro foi condenado a 2 anos e 11 meses de prisão por furto qualificado (veja mais abaixo). O assistente refuta as denúncias, afirmando que elas foram cometidas por crimes (saiba mais abaixo).

Outro membro da equipe seria Gutembergue Martins Silva, que é guarda civil na cidade e, apesar de não estar mais trabalhando, continua recebendo salário.

Ambos foram considerados culpados de furtar R$ 28.000 e 57 kg de carne de dois açougues da cidade.

Os autos demonstram que os agentes indiciados se utilizaram do conhecimento e da estrutura da Guarda Civil Municipal para acobertar e auxiliar em atividades criminosas.

Em algumas das atividades, eles contaram com o apoio de civis e chegaram a utilizar câmeras de segurança da cidade para não serem flagrados.

Em depoimentos ao Gaeco (Grupo Especial de Combate à Máfia), testemunhas blindadas relataram que os agentes colaboraram com empresas de segurança idôneas:

“Os serviços de segurança oferecidos aos clientes parecem ter como principal característica a obtenção de pagamentos para garantir que estabelecimentos comerciais não sejam alvos da própria criminalidade do grupo, como ocorreu nos dois assaltos relatados abaixo”, afirma trecho da denúncia.

O MP ainda aponta que os autores apresentaram provas que ligam o Secretário Sandro Torres “a diversos outros crimes, como corrupção passiva decorrente do recebimento de propina de traficantes de drogas”.

Embora o Tribunal tenha rejeitado a denúncia da milícia, as investigações sobre essas e outras atividades criminosas continuam.

“O Ministério Público continua investigando pessoas que formavam uma verdadeira milícia exclusiva dentro da GCM. Isso fez parte do inquérito do Gaeco, que apontou que o trabalho de proteção exclusiva da cidade foi desviado do escopo da segurança pública para que os próprios membros da guarnição pudessem desviar o foco das câmeras e garantir que atividades criminosas de roubo pudessem ser praticadas na região de Ribeirão Pires”, descreveu o promotor de Justiça Low Point Campos.

Secretário e GCM de cidade na Grande SP são condenados por roubo de açougueiros

Medo de represálias

O G1 e a TV Globo conversaram com duas pessoas que conhecem o funcionamento da segurança e decidiram criticar a forma como a empresa é conduzida e administrada. Por medo de represálias, preferiram não se pronunciar.

Segundo elas, parte da empresa é corrupta e age apenas em interesse próprio, deixando a segurança da cidade em segundo plano.

“Eles criam dificuldades para vender o centro. Como? Sua empresa ou residência é arrombada e você registra um boletim de ocorrência. Sabendo disso, ele [Sandro], justamente por participar dos crimes, vai até o local e presta serviços [de segurança privada]. Você corre risco e acaba aceitando”, relatou uma das pessoas.

Para o promotor Low Point de Campos Júnior, essa é, na verdade, uma das estratégias da equipe:

“Isso me parece muito claro. A estratégia era criar dificuldades para comercializar centros, ou seja, a população, assustada com essas atividades criminosas praticadas […], precisa da disponibilização de soluções de segurança, e me parece que o valor da estipulação dessas soluções foi até aumentado”.

“Está claro que a empresa Ecam, e algumas outras onde esses guardas civis locais já atuaram, se viram em situação de divisão de herança correspondente aos crimes que cometeram”, apontou a promotora.

Em conversa com a imprensa, uma das denunciantes relatou que também presenciou uma viatura da ROMU – grupo exclusivo da GCM na cidade – “subtraindo dinheiro do tráfico de drogas, liberando um traficante de drogas,”obter comerciantes para pagar pelo serviço de vigilância do estabelecimento e negociar propinas”. O autor alegou ainda que os vigilantes são colocados para atuar sozinhos em locais onde há ameaça inevitável. “Os estabelecimentos comerciais no centro de Ribeirão Pires foram todos colocados em situação de insegurança, devido ao fato de a própria empresa de segurança ter revelado um fato ocorrido em uma comunidade remota, enquanto mais uma parte desse grupo criminoso entrou nos estabelecimentos e destinou câmeras de vídeo a um mercado adicional para auxiliar na prática do crime”, destacou o promotor. “Quando temos agentes do próprio Estado contrariando essas diretrizes e comprometendo compromissos assumidos com um escravo público, colocamos em risco a própria segurança pública, razão pela qual essas infrações penais precisam ser devidamente punidas nos termos e na pressão da legislação”, especificou Low Point.

Furtos em açougues

O crime de arrombamento de produtos em açougues aconteceu em junho de 2018 – na época, Sandro era vice-líder do Guarda Civil Comunitária de Ribeirão, cidade que fica a cerca de 30 km da capital. Além dele, Gutembergue Martins Silva (assessor titular da GCM na época) e o ajudante-geral Marcelo Cruz Dallavali foram considerados culpados pelo mesmo crime. O Tribunal também determinou a perda dos registros públicos de Sandro e Gutembergue. Ele permanece no cargo enquanto a pena está sendo avaliada em terceira instância, no Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com a denúncia do Ministério Público, na madrugada de 18 de junho de 2018,A equipe cometeu dois arrombamentos quase em sequência:

Em poucos minutos, os acusados ​​levaram quase 60 kg de carne e R$ 28.000 dos açougues Izzo e Parati, que ficam a cerca de 300 metros um do outro, no complexo da cidade.

Do primeiro açougue, foram levados 15 kg de picanha, 10 kg de contrafilé preto, 12 kg de alcatra, R$ 8.000 em dinheiro e uma caixa de segurança. Do segundo, foram levados 20 kg de carne bovina, R$ 20.000 em dinheiro, cheques, câmeras de segurança, um DVD do circuito de rastreamento e roteadores.

Os exames indicaram que os crimes foram planejados, ou seja, não se tratavam de furtos ocasionais. Segundo os autos, Gutembergue, na verdade, controlava diretamente as câmeras de monitoramento da prefeitura da cidade pouco antes do crime.

As câmeras eletrônicas foram redirecionadas propositalmente para não atingir os açougueiros.

Além disso, enquanto as câmeras estavam sendo reposicionadas e depois transformadas, foi feita uma falsa emissão de sigilo para que os policiais da GCM e da Polícia Militar se afastassem da prefeitura, auxiliando na prática do crime.

Ribeirão Pires passa a fazer parte da região do ABC Paulista e conta com cerca de 115 mil moradores e uma Guarda Civil Municipal com 120 agentes, todos comandados por Sandro Torres Amante.

A TV Globo e o G1 conversaram com Sandro nesta quarta-feira (16) e ele afirmou ser inocente das ações criminosas, não havendo qualquer prova da venda de proteção exclusiva na cidade.

“Em primeira instância fui absolvido, em 2ª instância, dos 7 crimes que foram formulados contra mim, que deu essa condenação que foi uma sentença, certo? Isso já foi respondido,Meu representante legal já fez a defesa por enquanto na terceira instância, certo? E com fé em Deus, certamente será esclarecido, pois não tem nada a ver comigo. Obviamente, três décadas de serviço público abaixo”, afirmou.

O prefeito, Gustavo Volpi (PL), não recebeu a denúncia.

A Prefeitura reagiu, por meio de nota, que não foi informada sobre a condenação de Sandro. Quanto à GCM, Gutembergue afirma que houve ordem judicial para seu afastamento de suas funções na Guarda Civil Metropolitana, sem prejuízo de vencimentos e sem, até o momento, qualquer tipo de determinação em contrário (veja a nota completa abaixo).

1 de 5 Prefeito de Ribeirão Pires e Assistente de Segurança em atividade pelos 100 dias da gestão — Foto: Reprodução

Prefeito de Ribeirão Pires e Secretário de Proteção em atividade pelos 100 dias da gestão — Foto: Reprodução

2 de 5 Ribeirão Pires — Foto: Art/g1

Ribeirão Pires — Foto: Art/g1

Câmeras flagraram o implicado

Uma das testemunhas protegidas, ao fazer isso, disse que, ao retornar do descanso, observou que algumas câmeras estavam fora do lugar e as recolocou na estrutura original, tempo suficiente para flagrar Sandro, Gutembergue e Marcelo dividindo os itens roubados. (veja o videoclipe acima)

Nos documentos, é possível ver que alguns veículos circulam no local dos roubos — essas fotos foram importantes para identificar os implicados.

3 veículos aparecem no vídeo:

Um Peugeot vermelho de propriedade e dirigido por Gutembergue; Um Fiat 500 branco de propriedade e dirigido por Marcelo Cruz Dellavali; E um Hyundai i30 preto de propriedade e dirigido por Sandro Torres Amante.

Logo após os assaltos, as câmeras eletrônicas registraram:

O Peugeot estacionou próximo ao açougue. Logo em seguida, o Fiat 500 encosta e estaciona à frente; Sandro e Gutembergue, além de outros, são vistos separando os bens roubados entre os veículos; O Peugeot e o Fiat 500 saem juntos do local. Em seguida, o i30 dirigido por Sandro começou a aderir aos outros dois caminhões. Três indivíduos não identificados saíram caminhando, entraram em um Fiat Siena e aderiram ao Fiat 500 até a cidade de São Paulo, conforme registrado pelo sistema de monitoramento Detecta do governo estadual. A movimentação organizada reforçou o entendimento do Ministério Público de que a equipe já estava operando de forma organizada.

Outro ponto destacado ao fazer isso é que, no dia seguinte aos crimes, Gutembergue permaneceu por horas na sala de monitoramento da GCM e, supostamente, tentou apagar as imagens associadas à noite do roubo.

3 de 5 Secretário de Defesa de Ribeirão Pires, na Grande SP, é condenado por roubo — Foto: Reprodução

Secretário de Defesa de Ribeirão Pires, na Grande SP, é condenado por roubo — Foto: Reprodução

Sentença

A equipe foi condenada após o Ministério Público indiciar seis pessoas pelos crimes de roubo e formação de milícia clandestina (saiba mais abaixo).

A 1ª Vara de Ribeirão Pires entendeu que havia provas suficientes apenas para a condenação de Gutembergue. Em decisão de outubro de 2023, o Juizado Daniel Adriano Araldi Martins absolveu Sandro Torres, Marcelo Dellavali e os outros quatro nomes.

No entanto, o MP, por meio do Ministério Público,recorreram e obtiveram a condenação dos outros dois réus.

“A materialidade e a autoria dos fatos criminosos estão devidamente comprovadas pelo depoimento das testemunhas de defesa, pelos autos, pelas imagens colhidas no dia dos fatos e pelas provas geradas ao longo da fase investigativa”, destacou o promotor Nadir de Campos Júnior em sua petição.

Em janeiro deste ano, a 5ª Câmara de Regulação de Infratores do TJ se manifestou nesse sentido e afirmou que a materialidade dos arrombamentos praticados em 18 de junho de 2018 foi apurada pelos autos, pela análise dos vídeos fornecidos pelas testemunhas de defesa e pelas imagens captadas pelas câmeras de rastreamento da própria Prefeitura Municipal de Ribeirão Pires.

Atualmente, os envolvidos tentam reverter a decisão no Superior Tribunal de Justiça.

Consulta para a pasta de Segurança 4 de 5 Ato de nomeação de Sandro Torres Amante como chefe da pasta de Segurança de Ribeirão Pires– Imagem: Reprodução

Ato de visita de Sandro Torres Amante como chefe da pasta de Segurança de Ribeirão Pires– Imagem: Recreação

Apesar de ter respondido como réu no caso de furto, em 6 de dezembro de 2023 Sandro foi nomeado Secretário Municipal de Segurança Urbana, Cadeirante e Defesa Civil de Ribeirão Pires, ocupando cargo de confiança na prefeitura.

O promotor de Justiça que recorreu da condenação do atual assistente mencionou que é significativo que uma pessoa considerada culpada de roubo esteja encarregada da segurança da cidade.

“Não é possível que alguém acusado de colocar a segurança pública em risco seja, ao mesmo tempo, o assistente municipal,a empresa de serviços de segurança pública e proteção”, lamentou Nadir.

A decisão do Tribunal de Justiça determina que, não havendo mais qualquer tipo de recurso, os três condenados devem começar a cumprir suas penas, sendo que Sandro e Gutembergue devem renunciar aos seus cargos públicos.

5 de 5 Secretário de Segurança de Ribeirão Pires, condenado por furto em açougues– Imagem: Recreação

Auxiliar de Segurança de Ribeirão Pires, condenado por furto em açougues– Foto: Reprodução

O que a Prefeitura afirma

“Em atendimento a solicitação da TV Globo, a Prefeitura de Ribeirão Pires informa que não foi notificada pelo Tribunal sobre qualquer condenação possível, no segundo caso, em ação movida contra Sandro Torres, Auxiliar de Segurança da cidade.

Sandro Torres é Guarda Civil Municipal de carreira na Prefeitura de Ribeirão Pires há três décadas. Ele atuava como um típico policial, chefiava a Romu (equipe ostensiva) e era líder da corporação.

Em relação ao GCM Gutembergue Martins Silva, a Prefeitura esclarece que houve uma ordem judicial para seu afastamento de suas funções na Guarda Civil Local, sem viés salarial e sem, até o momento, qualquer tipo de decisão em contrário.

A Prefeitura de Ribeirão Pires permanece à disposição para prestar informações e quaisquer esclarecimentos.

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